Micoplasmose em rebanhos bovinos, há um caminho para o controle?
- André Cokely e Carla Campos
- 2 de jun.
- 5 min de leitura
Os microrganismos do gênero Mycoplasma pertencem à classe Mollicutes e se diferem das demais bactérias por não possuir parede celular rígida, tendo apenas uma membrana trilaminar (Razin et al., 1998). De tamanho reduzido, entre 0,1 a 0,25 µm, foram considerados inicialmente como vírus e são capazes de produzir filamentos semelhantes aos fungos, característica que originou sua nomenclatura (do grego, mykes = fungo e plasma = formato) (Tortora et al., 2016).
As mais de 126 espécies de Mycoplasma sp. são altamente específicas quanto ao hospedeiro, sendo mais agressivas em aves, suínos e bovinos. Na avicultura comercial essa bactéria provoca principalmente Doença Crônica Respiratória e Sinovite Infecciosa. Na suinocultura causa Pneumonia Enzoótica dos Suínos, doença de grande importância econômica. Já em bovinos, o Mycoplasma bovis é o mais agressivo e em alguns casos provoca múltiplas manifestações clínicas no mesmo rebanho e/ou indivíduo.
Dentre as manifestações clínicas mais comuns em bovinos tem-se a pneumonia e mastite, mas outras como poliartrite, otite, conjuntivite e abortos também têm sido encontradas nos rebanhos. Essas manifestações encontram-se em similaridade com outras enfermidades, mas alguns sinais são altamente sugestivos de micoplasmose.
Os quadros de pneumonia apresentam alta morbidade em animais jovens, a partir de 15 dias de vida, com baixa resposta terapêutica aos antimicrobianos. Os sinais clínicos da pneumonia começam com dificuldade respiratória e evolução rápida, apatia e febre. As lesões pulmonares podem ser visualizadas através da ultrassonografia logo nos primeiros dias de vida, sendo prevalentes nos lobos crânio-ventrais e caracterizam-se por pequenos e múltiplos grânulos densos, bem definidos e denominados necrose caseosa. Nas fotos abaixo, foi possível observar durante a necropsia a presença dos grânulos na superfície pulmonar de um animal que veio a óbito e foi diagnosticado com Mycoplasma bovis.
Já na mastite clínica observa-se alterações do leite (grumos e coloração amarelada), observando-se decantação dos grumos com aspecto de “areia” sedimentada no fundo do frasco usado para coleta, como ilustra a foto a seguir. Em grande parte dos casos, há comprometimento de mais de um quarto mamário e a resposta terapêutica aos antimicrobianos é quase nula, tornando o animal crônico.

Nota-se o aspecto de “areia” sedimentada no fundo do frasco (Fonte: arquivo pessoal).
Os casos de otite e artrite podem acometer animais adultos e jovens, porém são quadros mais comuns em bezerros lactentes filhos de vacas contaminadas, especialmente quando a mastite se manifesta.
Os casos de aborto podem ocorrer em todas as fases da gestação, com consequente retenção de placenta, metrite ou piometra em alguns casos. As vacas também podem manifestar outros quadros clínicos após ou concomitante ao aborto, como pneumonia, mastite, artrite e otite, além das perdas de condição corporal e de produtividade.
A alta virulência e capacidade de transmissão do Mycoplasma bovis, aliados às múltiplas manifestações clínicas torna obrigatória uma investigação laboratorial, e a precisão do diagnóstico depende de uma coleta de material biológico bem-feita. Para os quadros respiratórios os swabs nasais de animais enfermos e em convalescência, para os quadros de artrite a punção das articulações afetadas, bem como o leite de vacas com mastite e os órgãos de animais que venham a óbito pela doença.
Os meios de transmissão se dão por meio do contato direto entre os animais, ingestão de leite de vacas contaminadas pelos bezerros (Aebi et al., 2012), contato da mãe com a cria no momento do parto (Gille et al., 2018), aerossóis, contaminação através das camas, utensílios, instalações, alimentadores e bicos, durante manejo entre lotes, na ordenha e principalmente pela introdução de animais contaminados no rebanho.
As respostas terapêuticas, especialmente dos antimicrobianos que atuam na parede celular das bactérias, são baixíssimas. Além disso, o Mycoplasma bovis dispõe de vários mecanismos que impedem sua detecção, inativação e eliminação pelo sistema imunológico do animal infectado e que dificultam o controle desse patógeno, tais como:
Adesão e invasão das células hospedeiras facilitadas pela ausência de parede celular, que o protege contra a imunidade humoral e a ação dos antimicrobianos (Rotten, 2003);
Elaboração de um tipo de nuclease (MnuA), que provoca apoptose e degrada os neutrófilos (Mitiku et al., 2018);
Formação de biofilme (McAuliffe et al., 2006);
Produção de metabólitos secundários, como o peróxido de hidrogênio, que provocam necrose tecidual nos pulmões (Schott et al., 2014).
Frequentemente as infecções causadas pelo Mycoplasma bovis estão associadas a outros patógenos como Trueperella sp. em infeções pulmonares, agentes causadores de mastite, enfermidades reprodutivas e entéricas por causas virais, o que torna difícil atribuir a ele a única causa e, consequentemente, o direcionamento terapêutico para tal. A dificuldade de tratamento e o impacto econômico causado pelo Mycoplasma bovis nos rebanhos bovinos leiteiros tem levado a comunidade científica a buscar alternativas para auxiliar no controle desse agente.
Qual o caminho para o controle do Mycoplasma bovis?
Assim como na avicultura e na suinocultura, a vacinação autógena contra o Mycoplasma spp. já é uma alternativa existente, utilizada há bastante tempo e com eficácia comprovada para o controle e profilaxia do agente em questão. A redução da pressão de infecção, da severidade dos casos e da mortalidade de animais são observadas após o estabelecimento do protocolo vacinal.
A grande variedade de antígenos de superfície do Mycoplasma bovis é um fator limitante para a eficácia de vacinas produzidas a partir de uma única cepa. Neste sentido, as vacinas autógenas apresentam vantagem significativa para o controle deste agente, pelo fato de ser composta a partir do isolamento, cultivo e produção de antígeno específico para aquele rebanho naquele momento. É importante que seja realizado um monitoramento epidemiológico do rebanho através de novas coletas e isolamentos, para que, identificadas novas cepas, haja adição de antígenos nas partidas subsequentes da vacina autógena e assim a imunização do plantel se torne mais eficaz.
Além disso, a introdução de bovinos de qualquer categoria em um rebanho deve contemplar exames sorológicos, quarentena e imunização prévia. Os protocolos vacinais devem seguir o calendário sanitário de cada propriedade, mas é essencial que todos os animais estejam protegidos.
A INATA é pioneira na fabricação da vacina autógena de Mycoplasma bovis no Brasil.
Procure um de nossos consultores técnicos comerciais para saber mais!
Referência Bibliográfica
Aebi, M., Bodmer, M., Frey, J., Pilo, P. (2012) Herd-specific strains of Mycoplasma bovis in outbreaks of mycoplasmal mastitis and pneumonia. Vet. Microbiol., 157(3-4), p.363-368. https://doi.org/10.1016/j.vetmic.2012.01.006
Gille, L., Boyen, F., Van Driessche, L., Valgaeren, B., Haesebrouck, F., Deprez, P., Pardon, B. (2018). Effect of freezer storage time and thawing method on the recovery of Mycoplasma bovis from bovine colostrum. Journal of Dairy Science, 101(1), 609-613. https://doi.org/10.3168/jds.2017-13130
McAuliffe, L., Ellis, R. J., Miles, K., Ayling, R. D., Nicholas, R. A. J. (2006). Biofilm formation by Mycoplasma species and its role in environment persistence and survival. Microbiology, 152(4), 913-922. https://doi.org/10.1099/mic.0.28604-0
Mitiku, F., Hartley, C.A., Sansom, F.M., Coombe, J.E., Mansell, P.D., Beggs, D.S., Browning, G.F. (2018). The major membrane nuclease MnuA degrades neutrophil extracellular traps induced by Mycoplasma bovis. Vet. Microbiol., 218, p.13-19. https://doi.org/10.1016/j.vetmic.2018.03.002
Razin, S.; Yogev, D.; Naot, Y. (1998). Molecular biology and pathogenicity of mycoplasmas. Microbiol. Mol. Biol. Rev., v.62(4), p.1094-156. https://doi.org/10.1128/mmbr.62.4.1094-1156.1998
Rottem, S. (2003). Interaction of mycoplasmas with host cells. Physiol.Rev., 83(2), p.417-432. https://doi.org/10.1152/physrev.00030.2002
Schott, C., Cai, H., Parker, L., Bateman, K.G., Caswell, J.L. (2014). Hydrogen peroxide production and free radical-mediated cell stress in Mycoplasma bovis pneumonia. J. Comp. Pathol., 150 (2-3), p.127-137. https://doi.org/10.1016/j.jcpa.2013.07.008
Tortora, G.J., Case, C.L., Funke, B.R. (2016). Procariotos: Domínios Bacteria e Archaea. In: Microbiologia, 12ª ed., Porto Alegre: Editora Artmed, 964p.
Comments